quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Minha infância (quase) gay



Esses dias uma amiga me perguntou como foi que eu percebi que gostava de meninos e eu achei a coisa mais estranha do mundo. Depois que eu me dei conta de que numa sociedade onde a heteronormatividade manda, é difícil entender "como se dá a homossexualidade nas pessoas". Pelo fato de eu já estar acostumado com a minha sexualidade e não ficar mais me fazendo essas perguntas, isso faz com que esse tipo de questionamento se torne estranho pra mim. Na hora eu respondi "ah, normal, me interessei desde sempre, desde criança, pelos meninos e não pelas meninas" e então ela fez a pergunta que muita gente já me fez "e sua mãe, não percebia nada quando você era criança?". Quando me perguntam isso eu sempre penso que a pergunta parece sempre estar tentando descobrir se não tinha um modo da minha mãe descobrir se eu era gay na infância e assim me "curar"; e, às vezes, ela carrega mesmo essa intenção. Eu disse que não, mas não sei se foi uma resposta sincera, foi uma resposta rápida, por que o assunto estava me incomodando. Isso me fez ficar pensando, desde então, sobre como foi minha infância e como era o papel da minha mãe para comigo naquela época. E é sobre isso que eu vou falar hoje.

Minha mãe sempre foi muito cuidadosa, ao extremo mesmo, daquele tipo de mãe que não deixa os filhos brincarem na rua, com medo de que eles sejam sequestrados. E eu passei minha infância brincando dentro da minha casa, do meu quintal e da casa de parentes e amigos. A pergunta que muitas pessoas poderiam fazer é: "Será que o super cuidado da sua mãe fez com que você se tornasse gay?", e a resposta é: não sei. Tenho certeza que muitos gays não tiveram a mesma infância que eu. Eu já conheci gays que jogavam futebol na infância, que tiveram uma infância de "menino de rua", e conheço gays que jogam futebol até hoje apenas para esconder a homossexualidade também. As pessoas precisam entender que o fato de um menino ter muitos cuidados ao redor dele, de ser muito mimado, não faz com que ele seja gay, faz com que ele seja chato. E foi isso que eu fui na infância (talvez seja até hoje): uma criança chata e mimada.

Tudo o que eu queria ter, meus pais davam um jeito de conseguir pra mim. Eu usava armamento pesado, do tipo "vocês não gostam de mim, se gostassem comprariam tal coisa" ou "eu serei mais feliz com isso", frases de efeito que fazia com que minha mãe na mesma hora se prontificasse a comprar o que eu tanto desejava. E foi usando esse tipo de frase que eu pedi a ela que comprasse pra mim o primeiro cd original da Kelly Key, minha diva na infância. Não me lembro da expressão do rosto dela ao receber o pedido, nem se ela se assustou por um menino pedir o cd original de uma cantora voltada para as meninas, só sei que ela comprou e eu o ouvia a todo momento, decorei as letras, cantava em tudo quanto é canto.

Um dia no mercado estava tocando "Baba Baby" da Kelly Key e eu comecei a cantar, daquele jeito que só uma criança bichinha sabe cantar. As pessoas na fila ficaram olhando, algumas gostaram, acharam bonitinho, mas teve um casal, que deu risada e ficaram fazendo piadinhas. Ali, que eu me lembre, foi a primeira atitude repressiva da minha mãe: ela me deu um beliscão no braço e me disse "se comporte como um menino, Lucas". Quando ela dizia meu nome eu já sabia que ela estava brava comigo, mas a frase dela... me marcou. Na hora não dei importância, apenas parei de cantar, fiquei quieto e com vergonha por ter levado um beliscão no braço. Se eu tenho raiva da minha mãe por isso? Claro que não, nenhuma. Se aquele momento me marcou pra sempre? Claro que sim, certeza! Eu penso que a primeira atitude repressiva nós nunca esquecemos.

Depois desse dia tiveram vários outros onde as frases "seja um menino", "aja como um menino", "se comporte como um menino" se tornaram parte do roteiro do meu dia-a-dia com minha mãe. Meu pai nunca falou nada parecido, ele sempre teve atitudes diferentes da minha mãe, penso que ele sempre me viu como um menino frágil e sensível. E agora, pensando bem, acho que foi por essa época, lá com meus oito anos de idade, que minha mãe percebeu que tinha um filho gay. Claro que ela não queria ver isso, não queria aceitar, mas ela sabia, se não soubesse não usaria essas frases pra me "corrigir".

O primeiro menino que eu gostei - não vou dizer o nome dele aqui, por que se um dia ele ler, ele saberá e isso eu não quero - foi outra coisa muito importante na minha vida, pois foi por causa dele que eu comecei a frequentar a rua e brincar com os outros meninos... acreditem, até jogar bola eu jogava por causa dele. Não tinha interesse sexual nele, eu acho, mas eu gostava de abraçar ele e ele deixava que eu o abraçasse. Ele me pedia abraços e eu também pedia pra ele. Era a nossa maneira, eu penso hoje em dia, de dizer que um gostava do outro. Uma vez minha mãe nos viu se abraçando na sala da minha casa, ela não disse nada, sorriu e foi para o quarto, não sei se chorou ou o que fez, só sei que ela não era de ficar no quarto por muito tempo. Quando meu pai chegou em casa, ele também ficou no quarto, mas dessa vez com a porta aberta. Ele sentado na cama e ela deitada, devem ter conversado, não sei. Esse dia eu tenho marcado nas minhas memórias com tanta intensidade, que eu penso que de uma maneira ou de outra eu já estava entendendo como as coisas estavam se guiando. Não sabia se eu era gay ou não, sabia que poderia ser "bicha" já que os meninos que eu conhecia me chamavam assim, mas eu era chamado de bicha sem nem saber o que era. Coisa de criança, mas que machuca.

Eu não consigo ver a minha infância como uma infância boa. Teve os primeiros anos na escola que foram um inferno, com apelidos desnecessários e brincadeiras horríveis que sempre ficaram marcadas em mim. E toda aquela coisa de crescer sem nenhum amigo de verdade, sem ninguém pra brincar, tendo pouco convívio com outras crianças me fazia ser muito mimado e chato, coisa que hoje em dia eu penso não ser. Olhando para esses dias do meu passado a partir do que sei sobre mim hoje, faz com que eu perceba que realmente meus pais sabiam que eu era "diferente dos outros meninos" desde criança. Eles nunca me bateram por eu ser gay, já falaram coisas absurdas, mas aquele tipo de coisa que pessoas que viveram numa época diferente com informações estereotipadas falam.

Minha infância foi a infância de um menino gay. Eu ouvia Rouge, Sandy & Junior, Kelly Key, Xuxa, brincava de casinha com minhas primas, de barbie etc. etc. E minha mãe sempre viu essas coisas. Se doía dentro dela ver que o filho amado dela era afeminado, eu não sei, mas que nunca faltou amor, isso eu tenho certeza. Até hoje em dia a relação que eu tenho com minha mãe é complicada. Nós brigamos, nos xingamos com muita freqüência, mas também nos amamos e dizemos isso um ao outro com tal freqüência também. A infância foi a pior fase da minha vida, não gosto dela. Não gosto de encontrar pessoas que fizeram parte dela, não gosto de lembrar desses momentos... Se a minha adolescência foi rebelde, a culpada disso tudo foi minha infância. Mas não posso reclamar de tudo também, afinal, eu tinha tudo dos meus pais. Muito mais do que hoje.

6 comentários:

  1. Nao sei qual a necessidade do preconceito, mas não ligue pra esses ai que te chamam e chamavam de 'bicha'

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  2. Seja o que vc quiser, o importante é vc estar feliz com vc mesmo

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  3. Olha temos que ser feliz com nos mesmo sou bissexual tô feliz da vida sempre honesto e sincero

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