quinta-feira, 10 de maio de 2012

De dentro do armário nenhuma bicha grita


Chega aquele momento - horrível para alguns, mas quase sempre válido - de se assumir como gay. Eu não consigo me lembrar de muita coisa dos meus 14 anos, idade que eu tinha quando comecei a dizer aos outros que era gay, quando comecei a me identificar socialmente e sexualmente como gay. E pensar naquela época é muito engraçado. Lembro que contar para os meus pais foi horrível, eu fiquei alguns dias angustiado sem saber como falar e uma amiga minha ficava me dando forças, me dizendo que tudo sairia bem. Não saiu nada bem. Ainda não é tudo bem. Mas 6 anos depois de eu ter falado as coisas estão bem melhores, obrigado. Não preciso mais ficar fingindo que gosto de meninas, fingindo que já fiquei com meninas (pois mesmo que já tivesse ficado, era muito importante falar disso para que todos soubessem), fingindo que me interesso por futebol e carros e nem preciso segurar minhas mãos para não desmunhecar. A coisa mais difícil de se fazer quando não se é assumido publicamente: não desmunhecar.

Digo que lembrar dessa época é engraçado, por que os homossexuais fazem parte de uma parcela da população mundial que precisa se assumir sexualmente. Quer coisa mais engraçada do que em um determinado tempo da sua vida ser necessário você olhar para o rosto das pessoas que você convive e dizer: "hey, eu sou gay, beleza?" ou "olha, eu sou gay, espero que você não se incomode" ou pior ainda, como aconteceu com um cara que conheci nessa vida louca, "eu sou gay, pai" e no momento seguinte ele estava correndo de casa para não apanhar. Não sei se hoje em dia ele fala com os pais, mas na época em que ele me contou sua história de sair do armário, já fazia mais de 10 anos que ele tinha contado e não tinha mais visto os pais desde então.

Percebam vocês como essa coisa de "ter que se assumir" se torna muito importante para a vida social de um gay. Alguns podem dizer que não tem tanta importância assim e, talvez dependendo do tipo de gente que você conheça, nem tenha muita importância mesmo. Mas para a grande maioria é muito importante. Quando você é homem e se assume como gay, você está dizendo que prefere homens e não mulheres. E isso já é muito importante para a vida de um homem gay! Se assumir faz com que você tenha seu espaço socialmente, por que acreditem, se a sociedade já é complicada para os homossexuais, imagina para uma pessoa que não se assume gay, mas todo mundo sabe que também não é hetero. E aí se encontra outro problema na vida do gay: quando ele jura para os outros que não é gays, que adoro mulheres, mas que em todo churrasco da faculdade, as pessoas olham pra ele esperando que ele fique bêbado logo e comece a passar a mão nas bicha do curso. Conheço caras assim. Caras que juram que não são gays, mas que sabemos que adoram uma rola. É o tipo de cara que pensa que todo mundo está caindo na mentira que ele próprio inventou pra si, quando na verdade, tá todo mundo esperando o dia em que ele se libertará do armário.

Claro que não posso falar por todos os gays, mas eu posso falar por mim próprio: se assumir socialmente e sexualmente como gay foi uma das melhores coisas que fiz. Ficar dentro do armário pode até ser seguro e aconchegante, mas se jogar na vida sendo o que se é... não tem nem comparação. Hoje em dia eu não tenho problema em falar de sexo, por exemplo. Na época que eu estudava eu odiava esse assunto, odiava por que sabia que gostava de meninos e que todos os meus colegas sabiam. Uma pessoa que nunca fez sexo falar dele é difícil, imagina falar de sexo, quando você finge que gosta? Horrível.

Nós, gays, precisamos nos assumir, por que o padrão normativo da nossa sociedade é o heterossexual; então, as pessoas sempre esperam que as crianças, quando crescerem, se casem e tenham filhos com pessoas do sexo oposto. Se você é gay, é importante que você tenha coragem de em algum momento da sua vida você consiga dizer aos outros que é gay. Isso é se fortalecer, é mostrar que não existe no por que de ter vergonha em ser gay. Claro que existem algumas pessoas que vivem uma situação complicada com a família e por isso fica difícil se assumir para a família, mas se essas pessoas, se esses gays conseguem olhar na cara dos colegas de faculdade, escola, trabalho e dizer "hey, eu amo abraçar rolas", essa pessoa já é corajosa pra mim.

Se assumir gay é estar pronto pra dizer ao mundo que ser gay não é motivo de vergonha; muito pelo contrário: é motivo de orgulho! Muitos gays não dão valor e às vezes nem se preocupam em saber (não que eu ache que se deva ter essa preocupação, cada um é cada um), mas nos anos 60 e 70, muitos gays enfrentaram uma sociedade muito pior que a nossa apenas ao se assumir. E eu tenho muito orgulho desses viados! Tenho muito orgulho de olhar ao meu redor e não ver nenhum armário. Tenho orgulho de agir como bicha às vezes, de ser uma drama queer, de fazer aloca com as amigas em pública, de beijar em público, de falar de homem em público. Tenho orgulho de gritar como uma bicha, sempre! Pois de  dentro do armário nenhuma bicha grita, e mesmo se gritar, ninguém a ouve.

Por isso eu peço a vocês: gritem bicharada, gritem muito! Se mostrem... é aí que está a nossa maior arma: o grito.

Quando a piada vira ofensa - o caso da @cleycianne vs. @gaybrasil

Ultimamente tem havido muita discussão na internet sobre o que é ou não é humor. Com o crescimento de usuários brasileiros no twitter, começou a existir uma nova classe de "humoristas" no Brasil: os twitteiros. Uma grande parte das pessoas usam o twitter pra fazer piada, brincadeiras e ficar falando de casos do dia-a-dia com - ou uma tentativa de - humor. Mas o que tem acontecido muito também, é algumas pessoas fazerem piadas preconceituosas. Inclusive pessoas "famosas" já caíram na idiotice de expressar suas opiniões próprias (e escrotas) através de "piadas" no twitter, pensando que TODO MUNDO aceitaria como tal. E hoje pela manhã tivemos mais um caso de piada que virou ofensa.

Tudo começou quando a Cleycianne, a Diva do Senhor, escreveu na sua página os seguintes tweets:


Ou seja: ela contou um causo do dia da sua personagem e depois propôs uma brincadeira: "Como seria #UmMundoSemHomossexuais?", com a intenção de que seus seguidores mandassem tweets dizendo como seria um mundo sem homossexuais, usando a hashtag que ela criou. É assim que esses perfis de "humor" do twitter vivem: criando memes. E isso foi o suficiente pra Cleycianne se cagar.

A hashtag criada por ela fez sucesso e foi parar nos Worldwide trends. Muita gente criticava essa hashtag e muitos outros apoiavam e muito outros também brincavam junto com a Cleycianne. O que talvez ela não esperasse é que num país onde a homofobia é tão grande, uma "piada" como essa fosse usada por homofóbicos e preconceituosos para espalharem sua raiva e não apenas pra fazer "humor".

Deu-se que o twitter @gaybrasil ficou puto com essa hashtag e resolveu dizer aos seus seguidores que denunciassem a Cleycianne. Ficou discutindo com outras pessoas que estavam espalhando a hashtag e depois soltou uns tweets muito dignos pra se pensar:




Ok, quem segue a Cleycianne sabe que tudo o que ela escreve é humor, uma maneira de satirizar um tipo de evangélica. Faz piadas com famosos, com gays, lésbicas, cantoras, atores e até com os próprios evangélicos; afinal, esse twitter é uma tiração de sarro com um tipo de evangélicas, né?

Muitas pessoas falaram que é ridículo denunciarem o perfil da Cleycianne, pois era apenas uma brincadeira. Mas me digam uma coisa: o que o @gaybrasil falou não faz sentido? Vejam vocês: se a Cleycianne tivesse criado a hashtag "#UmMundoSemNegros" ainda seria considerado humor? Claro que não seria! As pessoas a chamariam de racista e provavelmente teria sido excluído o twitter dela. Agora, se a brincadeira é com os gays, é apenas ~~~~~~ HUMOR.

Vocês podem até dizer: "é apenas uma piada, relaxa" ou "calma aí, é uma piadinha de twitter, uma brincadeira". E eu realmente acho que talvez a intenção no começo tenha sido de apenas uma piada, o problema é que a brincadeira tomou proporções tão grandes, que deixou de ser brincadeira para se tornar ofensa. Se eu não fosse seguidor da Cleycianne e visse uma hashtag dessa nos TTs eu ficaria ofendido... Como sempre ouvi falar: "só é brincadeira quando dois estão brincando, quando apenas um brinca, já se torna ofensa"; e isso aconteceu com essa intenção de brincadeira da Cleycianne: se tornou ofensa.

Não acho o twitter dela homofóbico e nem que tenha sido essa a intenção da hashtag, mas a brincadeira acabou se tornando homofóbica e isso não se pode negar.

Deixo aqui pra vocês pensarem o que o @gaybrasil escreveu: "Se alguém fizesse um perfil sobre um branco que não gosta de negros, estaria preso". Beijos.